quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Meu coração café com leite

Quando o café era coado e o leite fervido no fogão à lenha, da cama ela já sentia o prazer da divina mistura, como se estivesse diante de uma enorme xícara fumegante de café com leite.
Despertava devagarzinho, sentindo o frescor dos lençóis frios em seus pés e com os olhos semi cerrados percebia já o sol entrando pelas rótulas dos janelões de madeira e se deitando com ela na cama.
...todos os tipos de biscoitinhos: de nata; de araruta; de polvilho junto com as compotas variadas de frutas feitas no tacho brilhante de cobre: de mamão verde; de cidra; de goiaba e tantos outros que davam água na boca...
Trechos do meu livro. Século XIX; escravidão; coronéis; queda do Segundo Império e desmatamento da Mata Atlântica.  

O que será de nossos filhos se eles não conhecerem o passado??

Tudo é muito rápído e o próximo minuto já vai se tornando passado...
tempo esquecido na escuridão da mente; memória perdida...
Em caixas, fotos sem nomes; rostos antigos muito sérios,
ou ainda a sorrir no momento feliz que se foi...
Mas estão ali, tão jovens nas imagens esmaecidas.

A sombra que se deitou sobre eles, é o ocaso amarelado
que se esconde onde dorme o sonho depois da partida
se dissolvendo dentro do imaterial e seus mistérios;
Quem são eles? Ou seremos nós, como todos, um dia?...
Passageiros do tempo... Nos atalhos da vida.

Cada um de nós deve registrar os momentos,da forma mais precisa possível, para os que vem depois.
Colocar nomes em fotos; marcar datas; contar fatos, resgatar as preciosidades antigas, as curiosidades para nossos filhos...
Assim, uma ponte para o passado será construída trazendo o conhecimento de histórias já vivídas, para o presente se tornando relatórios, fontes de pesquisas, lembranças para o futuro...Que já é agora!

Maria Aurélia





 Fotos sem nomes, rostos antigos

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

PREFÁCIO

Retratos antigos: flashes da vida, entre a ficção e a memória

Maria Lúcia Outeiro Fernandes
“A memória não é sonho, é trabalho.”
(Maurice Halbwachs)

O livro de Maria Aurélia tem tudo para ganhar espaço no coração do leitor. Aquele espaço recôndito, onde cada um de nós guarda suas lembranças de lugares e momentos míticos da infância. É nesse lugar que se situa este livro de poemas e de narrativas curtas. Os textos vão brotando de um lento trabalho, pelo qual a escritora vai tecendo, com os fios da memória, as sombras do passado, transitando entre o inconsciente e a ficção, reconstruindo flashes da vida, na forma de poemas, contos e crônicas. Como fotografias antigas, destinadas ao testemunho da vida, os escritos poéticos levam o leitor a momentos de delicada fruição de uma beleza singela, como a própria vida desta autora, que se dedica à escrita como tentativa de entender os intrincados mistérios da existência. Desse trabalho solitário, resulta um livro híbrido, entre a literatura e o testemunho, entre a história, a memória e a ficção.
Extremamente bem redigido, numa linguagem precisa, agradável, o livro constitui um tipo de literatura que, em tempo de globalização, está sendo cada vez mais valorizada, já que contar a história das pessoas e das comunidades passa a ter uma importância vital, diante da ameaça de se diluírem todos os regionalismos numa imensa e homogênea aldeia informatizada, que fala, pensa e vive do mesmo modo.
A memória das famílias do interior de Minas e São Paulo é o tema que une os textos de Maria Aurélia, que falam de personagens vivas, embora anônimas, da História do país, contextualizadas em fragmentos de narrativas. O tema da saudade, por exemplo, que ecoa por todos os textos, desdobra-se em diversas conotações, misturando-se a saudade dos lugares e dos momentos da infância à saudade das pessoas com quem a autora conviveu, à saudade que os negros tinham de sua terra natal e à saudade de espaços sagrados, como a Mata Atlântica, parte essencial do cenário evocado. Assim, os textos de Maria Aurélia recriam espaços e tempos que sobrevivem na memória da autora, mas que se constituíram no interior de um grupo social, o que lhes confere o caráter de memória coletiva, ampliando o interesse de sua leitura.
                        Araraquara, 15 de outubro de 2011.