quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

PREFÁCIO

Retratos antigos: flashes da vida, entre a ficção e a memória

Maria Lúcia Outeiro Fernandes
“A memória não é sonho, é trabalho.”
(Maurice Halbwachs)

O livro de Maria Aurélia tem tudo para ganhar espaço no coração do leitor. Aquele espaço recôndito, onde cada um de nós guarda suas lembranças de lugares e momentos míticos da infância. É nesse lugar que se situa este livro de poemas e de narrativas curtas. Os textos vão brotando de um lento trabalho, pelo qual a escritora vai tecendo, com os fios da memória, as sombras do passado, transitando entre o inconsciente e a ficção, reconstruindo flashes da vida, na forma de poemas, contos e crônicas. Como fotografias antigas, destinadas ao testemunho da vida, os escritos poéticos levam o leitor a momentos de delicada fruição de uma beleza singela, como a própria vida desta autora, que se dedica à escrita como tentativa de entender os intrincados mistérios da existência. Desse trabalho solitário, resulta um livro híbrido, entre a literatura e o testemunho, entre a história, a memória e a ficção.
Extremamente bem redigido, numa linguagem precisa, agradável, o livro constitui um tipo de literatura que, em tempo de globalização, está sendo cada vez mais valorizada, já que contar a história das pessoas e das comunidades passa a ter uma importância vital, diante da ameaça de se diluírem todos os regionalismos numa imensa e homogênea aldeia informatizada, que fala, pensa e vive do mesmo modo.
A memória das famílias do interior de Minas e São Paulo é o tema que une os textos de Maria Aurélia, que falam de personagens vivas, embora anônimas, da História do país, contextualizadas em fragmentos de narrativas. O tema da saudade, por exemplo, que ecoa por todos os textos, desdobra-se em diversas conotações, misturando-se a saudade dos lugares e dos momentos da infância à saudade das pessoas com quem a autora conviveu, à saudade que os negros tinham de sua terra natal e à saudade de espaços sagrados, como a Mata Atlântica, parte essencial do cenário evocado. Assim, os textos de Maria Aurélia recriam espaços e tempos que sobrevivem na memória da autora, mas que se constituíram no interior de um grupo social, o que lhes confere o caráter de memória coletiva, ampliando o interesse de sua leitura.
                        Araraquara, 15 de outubro de 2011.

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